Fonte: Jornal Valor Econômico
Opinião Jurídica
Por: Brunna Calil dos Santos Alves
Vivenciamos hoje diversas tentativas de unificação do direito, em especial do direito dos contratos, tendo em vista o crescimento constante das operações internacionais. A unificação, ou pelo menos a sua versão light, com a harmonização das regras aplicáveis, garante a previsibilidade e a segurança das relações comerciais.
A União Europeia deu o seu primeiro passo em 1989 com a resolução do Parlamento Europeu, de 26 de maio, sobre o esforço de aproximação dos direitos privados dos Estados-membros. A partir daí, assistiu-se a uma série de iniciativas, como o início dos trabalhos, naquele ano, da Comissão do Direito Europeu dos Contratos para a redação dos princípios do direito europeu dos contratos. Em 1993, a publicação do "Contract Code", redigido pela "Law Comission" inglesa, primeira tentativa de aproximação dos sistemas de common law e civil law.
Os avanços não pararam por aí. Em 2001, foi a vez da publicação do livro primeiro do Código Europeu dos Contratos pela academia dos privatistas europeus da Universidade de Pavia. Em 2003, da adoção pela Comissão Europeia do plano de ação relativo ao direito europeu dos contratos, seguida da comunicação COM/2004/0651, em 2004, em que foram reunidas as respostas enviadas pelos países e traçadas as metas para a elaboração não de um código, mas de um quadro comum de referência (QCR), a ser utilizado como inspiração aos países que pretendem reformar seus direitos ou, ainda, como lei elegível pelas partes para disciplinar os contratos.
O QCR foi enviado à Comissão Europeia em 2007, pelo Grupo de Estudos para um Código Civil Europeu e o Grupo de Pesquisas em Direito Privado existente (Acquis Group) e publicado em 2008 para discussão. Todo esse esforço reflete a importância da adoção de regras claras e comuns que permitam o estreitamento das relações internacionais.
O Brasil não faz parte da União Europeia e o Mercosul está muito longe de alcançar tamanha integração, mas o país tem a oportunidade de fazer parte desse movimento através da ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Venda Internacional de Mercadorias - CISG, na sigla em inglês.
Adotada na conferência diplomática das Nações Unidas de 11 de abril de 1980, a CISG entrou em vigor em 1988 e conta hoje com a adoção por 74 países, entre eles, todos os do Mercosul, exceto o Brasil, e os de maior expoente comercial, como Alemanha, China, EUA e Japão, abrangendo, em seu total, cerca de 90% de todo o comércio internacional e 75% do comércio internacional brasileiro. Apesar da magnitude de sua repercussão, se comparada às demais convenções internacionais do gênero, a sua difusão no Brasil é ainda de pequeno porte.
A CISG estabelece um conjunto de regras que disciplina a formação dos contratos de compra e venda internacional de mercadorias, as obrigações do comprador e do vendedor e as consequências do inadimplemento nesses contratos, além de alguns outros aspectos.
O seu artigo 1º estabelece as condições de sua aplicação, a saber: quando as partes possuírem seus estabelecimentos em Estados diferentes e um deles tiver ratificado a convenção ou as regras de direito internacional privado (aquelas que regem os conflitos de lei aplicável às relações internacionais) determinarem a aplicação da lei de um desses Estados signatários.
Com isso, uma vez ratificada, a convenção substituirá o direito nacional do Estado na discussão de matérias relativas ao contrato de compra e venda internacional. A adoção de uma lei uniforme permite às partes em um contrato internacional o conhecimento prévio das regras que serão aplicadas, deixando-as em pé de igualdade e, consequentemente, reduz os custos jurídicos dessas transações. Independentemente da nacionalidade das partes contratantes, a lei aplicável será sempre a mesma.
Apesar do Brasil ter alcançado nos últimos anos posição de destaque na política internacional - vide a assinatura em 2007 do Acordo de Associação Estratégica com a União Europeia que acarretou no Plano de Ação Conjunta em 2008, no Rio de Janeiro -, caminha devagar no que diz respeito à adoção de suportes, como a CISG, que permitam a concretização desses avanços em outras áreas que não apenas a política, de forma a permitir a inserção dos brasileiros no debate internacional.
Sem dúvida, não se pode esquecer de alguns avanços nesse sentido. Em 2002, o Brasil ratificou a Convenção de Nova York de 1958 ou Convenção da ONU sobre o Reconhecimento e Execução das Decisões Arbitrais Estrangeiras (Decreto Legislativo nº 4.311, DOU de 24 de julho do ano de 2002) e, mais recentemente, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) de 1969, ratificada pelo Brasil em outubro de 2009 (Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009), quando a convenção já contava com 110 países aderentes.
Em relação à CISG, um primeiro passo positivo foi dado em 15 de dezembro de 2009, quando o Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) autorizou o Ministério das Relações Exteriores a encaminhar ao Congresso Nacional a proposta de adesão do Brasil à CISG. A esperança, portanto, é a de que a proposta, por não ser carro chefe de plataforma eleitoral em ano de eleição, não seja colocada em escanteio e, finalmente, seja divulgada e levada seriamente à discussão.
O caminho que já começou a ser trilhado deve ser intensificado não só com o processo de ratificação. Mas porque também não refletir a posição de intermediário internacional alcançada pelo país nos últimos anos para de coadjuvante passarmos a protagonistas na elaboração de importantes instrumentos internacionais?
Brunna Calil dos Santos Alves é advogada e doutoranda pela Universidade de São Paulo (USP) e Université de Strasbourg, na França, e mestre em direito comparado da União Europeia pela Université de Strasbourg.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico e do Blog Tudo Sobre Comex. Os veículos não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizados pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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